domingo, 8 de julho de 2018

Le Spectre de la Rose

 Eu tinha de memória só os dois último versos de uma quadra que vi num programa do ballet Le Spectre de la Rose a que os meus pais tinham ido assistir. Tentava recordar, sem sucesso, a totalidade da quadra. A partir duma curta metragem vista recentemente no canal Hollywood pude reconstituir o resto. A quadra é simples e muito bela. Recordo ainda que o mesmo programa tinha uma fotografia de uma rosa parecida com a que reproduzo, mas, em cujo centro se distinguia uma figura balética.



Soulève ta paupière close
Qu’effleure un songe virginal.
Je suis le spectre de la rose
Que tu as porté hier, au bal.



terça-feira, 26 de junho de 2018

O Passeio de Santo António - Augusto Gil

"O Passeio de Santo António" é um das poesias que sei de cor desde muito miúdo.A minha irmão mais velha aprendeu o poema para o recitar numa ocasião festiva de que já não me lembro as características. De tanto a ouvir repetir o poema, também eu acabei por o saber de cor. Foi por este poema que acabei por saber, sem compreender bem as implicações, que "amor sem casamento" deve ser mal visto pela igreja. E então o namoro? e o noivado?

O PASSEIO DE SANTO ANTÓNIO
Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento.
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, bem puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais…
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito;
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia…o coração no peito.

Sem suspeitarem que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
—  Oh frei António, o que foi aquilo?...

O santo erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
— Não sei que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
— Ouviste, frei António? Ouviste agora?
— Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho…

— Tu não está com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!...
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
— Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

E voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: — Jesus,
São horas…
E abalaram p’ró convento.

Augusto Gil

domingo, 24 de junho de 2018

C'est l'aviron - Norman McLaren

Uma recordação dos meus tempos do Liceu Dom João de Castro: Uma sessão de filmes de Norman Mc Laren incluindo filmes experimentais e nações ilustradas. O meu entusiasmo foi imenso e nunca esqueci as audácias de McLaren, incluindo o desenho na própria película e outros. Só muito mais tarde, já casado e com filhos, é que tentei imitar McLaren fazendo ou tentando fazer alguns metros de desenhos em película. Não me saí mal de todo, mas não investi muito tempo nessa actividade. Uma das obras, talvez não das mais representativas, de McLaren é o filme que ilustra a canção tradicional canadiana "C'est l'aviron" ou "M'en revenand de la jolie Rochelle". No sítio do Office National du Fil de Canada, é possível encontrar o filme de McLaren e ler o comentério sobre esta obra.

https://www.onf.ca/film/cest_laviron/

Eis a letra da canção:

C'est l'aviron qui nous mène  - Norman McLaren
    M'en revenant de la jolie Rochelle  (bis)
    J'ai rencontré trois jolies demoiselles.

    Refrain :

    C'est l'aviron qui nous mène qui nous mène
    C'est l'aviron qui nous mène en haut.

    J'ai rencontré trois jolies demoiselles  (bis)
    J'ai point choisi, mais j'ai pris la plus belle.

    J'ai point choisi, mais j'ai pris la plus belle  (bis)
    J'la fis monter derrière moi sur la selle

    J'la fis monter derrière moi sur la selle  (bis)
    Je fis cents lieues sans parler avec elle.

    Je fis cents lieues sans parler avec elle  (bis)
    Au bout d'cents lieues, elle me demande à boire.

    Au bout d'cents lieues, elle me demande à boire  (bis)
    Je l'ai menée auprès d'une fontaine.

    Je l'ai menée auprès d'une fontaine  (bis)
    Quand elle fut là, elle ne voulut point boire.

    Quand elle fut là, elle ne voulut point boire  (bis)
    Je l'ai menée au logis de son père.

    Je l'ai menée au logis de son père  (bis)
    Quand elle fut là, elle buvait à pleins verres.

    Quand elle fut là, elle buvait à pleins verres  (bis)
    À la santé de son père et sa mère.

    À la santé de son père et sa mère.  (bis)
    À la santé de ses soeurs et ses frères.

    À la santé de ses soeurs et ses frères.  (bis)
    À la santé d'celui que son coeur aime.


O filme é apresentado na mensagem precedente.

C'est l'aviron by Norman Mclaren

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Canções do maluco

Há duas poesias de que já soube qual era o autor, mas cujo nome já esqueci. Buscas na internet não me esclareceram. Ambas são Canções do Maluco, e sei-as de cor há muitos anos. Como a reprodução dos poemas se baseia na minha memória, é muito possível que a reprodução não seja fiel, do que já peço desculpas.

Canção do Maluco 1

Ao luar, no meio da praça
o maluco pôs-se a contar a sua desgraça
Contava cantando com voz de galo
e toda a gente veio à janela para escutá-lo.

Disse o maluco que o luar
andava atrás dele para o matar.
Disse, e com medo atirou-se a um poço
com a mó dum moinho pendurada ao pescoço.

Calou-se o maluco, e é a mim, agora,
que o luar persegue pelas ruas fora.
E no rumor doce que sobe da água
A mágua que eu escuto é a minha mágua.


Canção do Maluco 2

Nem por aqui, nem por ali
o caminho me agrada.
Por um lado há bruxas,
pelo outro não se vê nada.

Meti ao acaso por um dos dois
e fui parar a um largo sem ninguém.
Nem por aqui, nem por ali
o caminho me convém.

Estavam cães esfomeados devorando o luar
e por aqui e por ali, até ao fim do mundo me deixei ficar.

sábado, 2 de junho de 2018

O menino da sua mãe - Fernando Pessoa

"O menino da sua mãe" é, para mim, um dos mais belos e impressionantes poemas de Fernando Pessoa, para não dizer da poesia portuguesa. Beleza formal, cada palavra no seu justíssimo lugar, um ritmo que condiz com o contexto. O poema é bem conhecido e eu sabia-o de cor, mas, como acontece com muitos outros, ultimamente tenho dificuldade em lembrar algumas palavras. Ei-lo:

Fernando Pessoa
O MENINO DA SUA MÃE


No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

 A palavra "apodrece" no penúltimo verso produz um choque. Já o "arrefece", no 5.º verso é muito mais suave, e a contradição entre a força das duas palavras contribui para o choque. Este pode ser antecipado pelo "ele é que já não serve", que é um modo pouco vulgar de referir um morto, mas é o facto, aliás natural, de apodrecer, logo seguido do nome carinhoso que a mãe lhe dera, que dá o tom trágico ao poema.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Comme un p’tit coquelicot

Hoje, novamente num registo diferente, veio-me à ideia uma cançoneta francesa de Mouloudji que fez furor nos anos 60 e de que eu gosto muito.Uma melodia suave, um ritmo convidativo. Eis a letra de Comme un p’tit coquelicot:

Comme un p’tit coquelicot - Mouloudji

Le myosotis, et puis la rose,
 ce sont de fleurs qui disent quequ'chose,
 mais pour aimer les coquelicots,
 et n'aimer que ça il faut être idiot » …

T'as peut-être raison, seulement voilà:
Quand je t'aurai dit, tu comprendras
La première fois que je l'ai vue
Elle dormait, à moitié nue
Dans la lumière de l'été
Au beau milieu d'un champ de blé
Et sous le corsage blanc
Là où battait son coeur
Le soleil, gentiment
Faisait vivre une fleur
Comme un petit coquelicot, mon âme
Comme un petit coquelicot

C'est très curieux comme tes yeux brillent
En te rappelant la jolie fille
Ils brillent si fort que c'est un peu trop
Pour expliquer... les coquelicots!

T'as p't-être raison, seulement voilà
Quand je l'ai prise dans mes bras,
Elle m'a donné son beau sourire
Et puis après sans rien nous dire
Dans la lumière de l'été
On s'est aimé, on s'est aimé
Et j’ai tant appuyé
Mes lèvres sur son coeur
Qu'à la place du baiser
Y'avait comme une fleur
Comme un petit coquelicot, mon âme
Comme un petit coquelicot

Ça n'est rien d'autre qu'une aventure
Ta petite histoire, et je te jure
Qu'elle ne mérite pas un sanglot
Ni cette passion... des coquelicots!

Attends la fin, tu comprendras
Un autre l'aimait qu'elle n'aimait pas
Et le lendemain, quand je l'ai revue
Elle dormait à moitié nue
Dans la lumière de l'été
Au beau milieu du champ de blé
Mais, sur le corsage blanc
Juste à la place du coeur
Y'avait trois gouttes de sang
Qui faisaient comme une fleur
Comme un petit coquelicot, mon âme
Comme un petit coquelicot
Comme tout petit coquelicot